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quinta-feira, julho 29, 2004

Road Trip – Uma viagem na Carreira 82

A minha vida está rodeada de peripécias e o que parece uma simples viagem de autocarro para a faculdade transforma-se numa autêntica aventura, encarada pelos mais destemidos.
Como acordo bem cedo, o caminho que efectuo desde casa até à paragem do autocarro é invulgar, pois não me recordo ao certo como executo esse trajecto (se calhar é do sono, pode ser que seja do sono, é possível).
Mas quando chego à paragem desperto num ápice, dada a ferocidade com que as pessoas procuram arranjar um lugar na fila do autocarro. A desconfiança, o medo, a suspeita pairam no ar. O olhar sinistro das pessoas, o esforço mitológico que estas fazem para não serem ultrapassadas na fila e a atenção voraz para que nada se altere, é alguns elementos que constituem o cenário com que me deparo. No entanto, o que provoca mais confusão é o facto de se formar duas filas na paragem. Uma não chega??? Ou será que as pessoas não têm discernimento para se colocarem numa só fila??? Ok, vou deixar estas questões pairarem no ar.
O segundo momento acontece quando chega o autocarro (82 – Cais do Sodré). A atenção de todos torna-se redobrada, mas para azar de alguns, surge ao mesmo tempo uma camioneta da rodoviária, irrompendo mais meia dúzia de pessoas que tentam entrar de forma heróica no autocarro. Após vários empurrões e de ter sido projectado contra o vidro, ficando mais parecido com um “espalmadinho”, lá consigo chegar à parte de trás da viatura. Por essa altura já oiço uma senhora de idade, gritar da seguinte forma:
“Não sabem respeitar as pessoas. Eu tava na bicha. Vêm esses tchetchenos roubar-nos o lugar. Antes do 25 de Abril é que era bom”.
 E eu tudo bem…
Após este tumulto, apercebo-me que não tenho lugar para me sentar. É óbvio, dizem vocês, que não tenha lugar pois fui dos últimos a entrar. Ok, no entanto, tenho referir que apanho o autocarro na segunda paragem do seu trajecto!!!
Apesar da sonolência que se apodera de mim, não posso deixar de reparar (ou cheirar) os ilustres odores que percorrem cada zona do autocarro. Realmente, o cheiro a suor às 7h30m é muito positivo.
Quando finalmente arranjo um lugar para me sentar e estou naquela fase em que vou conseguir relaxar mais um pouco, no preciso momento em que fecho os olhos, toca o telemóvel de alguém. A pessoa atende e fala da seguinte maneira:
“TOU, TOU, TÁS A OUVIR-ME… TOU, TOU, NÃO ME OUVES”
Recuperado do susto só me apetece dizer ao homem:
“Amigo, Portugal inteiro consegue ouvir-te, quanto mais a pessoa que está no outro lado, PORRA!!!”
Mas o grande momento da jornada está reservado para a antepenúltima paragem, que é efectuada junto ao Terreiro do Paço, no campo das cebolas mais propriamente. As pessoas que moram na margem sul e se deslocam de barco para Lisboa, normalmente, apanham o autocarro na paragem acima transcrita. No entanto, o trajecto realizado entre a saída do barco e a paragem é das coisas mais arriscadas que elas realizam, sendo este, verosimilmente, o momento mais alto do dia. Existe uma estrada a dividir a passagem e um semáforo a sinalizar o trânsito de automóveis e peões. Será que é suficiente??? NÃO! As pessoas aventuram-se por entre carros que efectuam um para – arranca constante na ânsia de apanhar o autocarro, para gáudio dos olhares incrédulos, daqueles que assistem a esta cena épica, diga-se de passagem.
Como a entrada no autocarro, é feita de forma desordeira, mais uma vez se ouve uma voz estridente, por sinal feminina, dizendo:
“Já não há respeito, a passar à frente da bicha. Uma vergonha.”
(…)
Com toda esta adrenalina, chego à última paragem e vou para a faculdade com outro ânimo. Sim, a minha vida torna-se logo mais saudável e alegre. Sinto-me feliz por andar de 82.
Viva eu!!!

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